Cannabis Medicinal no Tratamento da Artrose: Evidências Científicas e Perspectivas Clínicas

Introdução

A artrose, também conhecida como osteoartrite (OA), é uma das doenças articulares mais prevalentes no mundo, afetando cerca de 528 milhões de pessoas globalmente, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2023). Caracteriza-se por uma degeneração progressiva da cartilagem articular, remodelação óssea e inflamação sinovial leve, resultando em dor crônica, rigidez e limitação funcional.

O manejo da artrose é multifatorial, envolvendo mudanças no estilo de vida, fisioterapia e fármacos analgésicos ou anti-inflamatórios. No entanto, muitos pacientes enfrentam resposta limitada ou efeitos colaterais ao tratamento convencional, especialmente com o uso prolongado de anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) e opioides.

Nesse contexto, a cannabis medicinal tem ganhado destaque como terapia adjuvante promissora para o controle da dor crônica e inflamação articular, graças à atuação dos canabinoides no sistema endocanabinoide (SEC).


O Sistema Endocanabinoide e a Fisiopatologia da Artrose

O sistema endocanabinoide (SEC) é um complexo sistema de sinalização envolvido na modulação da dor, inflamação, imunidade e homeostase tecidual. Ele é composto principalmente pelos receptores CB1 (predominantes no sistema nervoso central) e CB2 (abundantes em células imunes e tecidos periféricos).

Estudos demonstram que tanto CB1 quanto CB2 estão expressos nas articulações humanas, inclusive em condrócitos e sinoviócitos, células diretamente envolvidas na artrose. A ativação desses receptores pelos fitocanabinoides — como o canabidiol (CBD) e o tetra-hidrocanabinol (THC) — pode modular a resposta inflamatória e reduzir a percepção dolorosa, interferindo em vias centrais e periféricas da dor.

📘 Referência:

  • Richardson D et al., Arthritis & Rheumatism (2008): Identificaram a presença de receptores CB1 e CB2 na sinóvia humana e sugeriram que sua ativação reduz mediadores inflamatórios.

Evidências Científicas do Uso de Canabinoides na Artrose

1. Estudos Pré-Clínicos

Diversos modelos animais de artrose demonstraram benefícios do CBD e THC:

  • Philpott et al. (2017), Pain: Em modelo murino, o uso de CBD tópico reduziu significativamente a hipersensibilidade articular e evitou dano estrutural na cartilagem.
  • Burston et al. (2013), PLoS ONE: Demonstraram que a ativação de CB2 reduz a liberação de citocinas pró-inflamatórias, como IL-1β e TNF-α, implicadas na degradação da cartilagem.

Esses achados reforçam o papel neuroprotetor e anti-inflamatório da cannabis nas articulações comprometidas.


2. Estudos Clínicos em Humanos

Embora os ensaios clínicos ainda sejam limitados, os resultados são promissores:

  • Vigil et al. (2017), PLOS ONE: Estudo observacional com 2.736 pacientes com dor crônica (incluindo OA) mostrou redução significativa da dor e melhoria na qualidade do sono e humor após uso de cannabis medicinal, com substituição de opioides em 47% dos casos.
  • Gonen et al. (2022), Journal of Orthopaedic Surgery and Research: Pacientes com OA de joelho tratados com óleo sublingual de cannabis relataram melhora da dor e da função articular, sem eventos adversos graves.
  • Xu et al. (2019), Frontiers in Pharmacology: Revisão sistemática mostrou que canabinoides reduzem dor neuropática e inflamatória associada a doenças articulares degenerativas.

Essas evidências sugerem que a cannabis pode atenuar a dor crônica, melhorar a mobilidade e reduzir a necessidade de analgésicos convencionais.


Mecanismos de Ação na Artrose

Os principais mecanismos pelos quais os canabinoides atuam na artrose incluem:

  1. 🧠 Modulação da dor central e periférica — ativação de CB1 reduz a transmissão nociceptiva.
  2. 🦠 Ação anti-inflamatória — ativação de CB2 reduz citocinas inflamatórias (IL-6, TNF-α).
  3. 🦴 Proteção condral — redução da apoptose de condrócitos e preservação da matriz cartilaginosa.
  4. 💤 Melhoria do sono e ansiedade — o CBD promove relaxamento e melhora do descanso, impactando indiretamente a percepção da dor.

Segurança e Efeitos Adversos

O perfil de segurança da cannabis medicinal é considerado favorável, especialmente quando comparado a opioides.
Os efeitos adversos mais comuns incluem sonolência, boca seca, tontura e, raramente, ansiedade ou taquicardia.

O CBD isolado possui baixo risco psicoativo, enquanto o THC, em doses controladas, pode potencializar a analgesia. Estratégias de microdosagem e ajuste gradual (start low, go slow) são recomendadas.

📘 Referência:

  • National Academies of Sciences, Engineering, and Medicine (2017): Concluiu haver evidência substancial de que canabinoides são eficazes para dor crônica em adultos.

Considerações Clínicas e Perspectivas Futuras

O uso da cannabis medicinal para artrose deve ser conduzido sob supervisão médica especializada, com formulações padronizadas, preferencialmente em óleos sublinguais ou tópicos, evitando riscos de combustão.

A individualização da terapia é essencial, considerando idade, comorbidades e uso concomitante de outros fármacos.

Novas pesquisas randomizadas controladas estão em andamento para definir doses ideais, proporções entre CBD/THC e impacto funcional a longo prazo.


Conclusão

A cannabis medicinal surge como uma alternativa terapêutica promissora no manejo da dor crônica e inflamação articular associadas à artrose, com evidências crescentes de eficácia e segurança.
Sua atuação no sistema endocanabinoide confere efeitos analgésicos, anti-inflamatórios e neuroprotetores, tornando-se uma opção valiosa para pacientes refratários aos tratamentos convencionais.

Com o avanço das pesquisas e a ampliação da regulamentação, a integração da cannabis ao arsenal terapêutico reumatológico pode representar um novo paradigma na abordagem da dor osteoarticular crônica.


📚 Referências Selecionadas

  1. Philpott HT, et al. Pain. 2017;158(12):2442-2451.
  2. Burston JJ, et al. PLoS ONE. 2013;8(12):e82364.
  3. Vigil JM, et al. PLoS ONE. 2017;12(2):e0171445.
  4. Gonen T, et al. J Orthop Surg Res. 2022;17(1):105.
  5. National Academies of Sciences. The Health Effects of Cannabis and Cannabinoids. 2017.
  6. Richardson D, et al. Arthritis & Rheumatism. 2008;58(11):3320-3329.
  7. Xu DH, et al. Front Pharmacol. 2019;10:1042.