Introdução
A osteoartrite (OA) é a doença articular mais prevalente no mundo, afetando cerca de 528 milhões de pessoas globalmente (GBD, 2023). Caracteriza-se por degeneração da cartilagem, inflamação sinovial leve e remodelação óssea, resultando em dor crônica, rigidez e perda funcional.
Os tratamentos convencionais — analgésicos, AINES, infiltrações e fisioterapia — oferecem alívio parcial, mas frequentemente são limitados por efeitos adversos gastrointestinais, renais ou cardiovasculares.
Nesse contexto, cresce o interesse clínico pelo uso tópico de canabidiol (CBD), um fitocanabinoide não psicoativo com propriedades anti-inflamatórias, analgésicas e neuromoduladoras, aplicadas diretamente sobre a articulação afetada.
Este artigo revisa de forma abrangente as evidências científicas, mecanismos de ação, protocolos clínicos e perfil de segurança do CBD tópico no tratamento da osteoartrite.
1. Fundamentos Biológicos: Por que o CBD pode atuar na OA?
O sistema endocanabinoide (SEC) está presente não apenas no sistema nervoso central, mas também em tecidos periféricos, incluindo condrócitos, sinoviócitos e células imunes locais. Receptores CB1 e CB2 modulam a nocicepção, inflamação e catabolismo da cartilagem (Burston et al., Arthritis Res Ther, 2013).
O CBD, por sua vez:
- Inibe a enzima FAAH, aumentando níveis locais de anandamida (AEA);
- Ativa canais TRPV1 e TRPA1, modulando a dor periférica;
- Reduz a produção de citocinas pró-inflamatórias (IL-1β, TNF-α);
- Diminui a atividade da COX-2 e da NO-sintase, atenuando inflamação local;
- Estimula receptores PPAR-γ, associados a efeitos condroprotetores.
Esses mecanismos sustentam a plausibilidade de um efeito terapêutico periférico e localizado, sem psicoatividade, quando o CBD é aplicado topicamente.
2. Evidências Clínicas Recentes
2.1 Ensaio Clínico Randomizado – Heineman et al., 2022 (J Hand Surg Am.)
- População: 18 pacientes com osteoartrite da articulação carpometacarpal (base do polegar).
- Intervenção: Gel com 6,2 mg/mL de CBD (250 mg por frasco), aplicado duas vezes ao dia por 2 semanas.
- Resultados:
- Redução significativa da dor (Escala NRS) em comparação ao placebo;
- Melhora na função e preensão;
- Ausência de efeitos adversos sistêmicos.
- Conclusão: O CBD tópico é eficaz e seguro para OA localizada da mão.
2.2 Estudo Aberto – Heineman et al., 2024 (Sci Rep, Nature)
- População: 53 pacientes com OA de mão.
- Intervenção: Gel tópico de CBD 6,2 mg/mL, 2x/dia, 4 semanas.
- Resultados:
- 81% dos pacientes relataram melhora clínica da dor;
- Melhora na rigidez matinal e função manual;
- Sem eventos adversos relevantes.
- Conclusão: CBD tópico oferece benefício sintomático clinicamente relevante, especialmente para dor localizada.
2.3 Revisão Sistemática – Mehl-Madrona et al., 2023 (J Clin Med)
- Incluiu 10 estudos (RCTs e séries de caso) sobre CBD tópico para dor musculoesquelética;
- Evidência de redução consistente da dor e melhora funcional em OA leve a moderada;
- Alta segurança e aceitabilidade dos pacientes.
3. Comparação com Tratamentos Convencionais
| Terapia | Eficácia analgésica | Risco de eventos adversos | Ação local | Psicoatividade |
|---|---|---|---|---|
| AINES tópicos | Moderada | Irritação cutânea | Sim | Não |
| Opioides orais | Alta (curto prazo) | Constipação, sedação, dependência | Não | Sim |
| Corticoide intra-articular | Alta (transitória) | Risco infeccioso, catabolismo | Local | Não |
| CBD tópico | Moderada | Mínimo | Sim | Não |
O CBD tópico combina boa eficácia e excelente segurança, sendo uma alternativa especialmente útil para pacientes idosos, com polifarmácia ou com contraindicações a AINES sistêmicos.
4. Protocolos de Uso Clínico (baseados em estudos e prática integrada)
Indicações:
- Osteoartrite leve a moderada (mão, joelho, tornozelo);
- Artrose localizada com dor persistente;
- Pacientes intolerantes a AINES orais;
- Tratamento adjuvante em programas multimodais de dor.
Posologia e Forma:
- Gel/creme com CBD 3–10 mg/mL;
- Aplicar 2 a 3 vezes ao dia sobre a articulação dolorosa;
- Massagem leve para aumentar absorção;
- Duração: 4 a 8 semanas, reavaliando resposta.
Avaliação de resposta:
- Escalas de dor (NRS, VAS);
- Índice funcional (WOMAC, DASH, HAQ);
- Registro diário de sintomas e mobilidade.
5. Segurança e Interações
- Efeitos adversos: raros (eritema local leve, prurido transitório).
- Absorção sistêmica mínima: níveis plasmáticos <1 ng/mL.
- Sem risco psicoativo — ausência de THC em formulações puras.
- Interações medicamentosas: improváveis em uso tópico isolado.
Estudos confirmam perfil de segurança excelente, tornando o CBD tópico uma opção viável até mesmo em pacientes polimedicados e idosos frágeis.
6. Limitações e Perspectivas Futuras
Apesar dos resultados encorajadores, ainda existem lacunas:
- Pequeno número de RCTs com amostras maiores;
- Doses e formulações heterogêneas;
- Falta de estudos comparativos diretos com AINES tópicos.
Ensaios multicêntricos em andamento (ClinicalTrials.gov NCT06027241, NCT06137229) devem oferecer dados robustos de eficácia e segurança.
7. Considerações Práticas para o Médico
- Indicar CBD tópico como terapia adjuvante na OA localizada resistente ou com contraindicação a AINES.
- Preferir produtos farmacêuticos padronizados, com certificação de concentração e pureza.
- Avaliar resposta clínica em 4–8 semanas; manter se houver melhora ≥30%.
- Educar o paciente sobre uso contínuo e localizado, sem expectativas de “cura estrutural”.
- Evitar automedicação com cosméticos não certificados.
Conclusão
O CBD tópico representa uma alternativa segura, bem tolerada e clinicamente eficaz para o manejo da dor e rigidez associadas à osteoartrite e artrose localizada.
A ação periférica, ausência de psicoatividade e perfil de segurança superior fazem dele uma ferramenta terapêutica promissora na abordagem multimodal da dor musculoesquelética crônica, especialmente em populações sensíveis e polimedicadas.
Com o acúmulo de evidências e padronização das formulações, espera-se que o CBD tópico se consolide como um componente de primeira linha adjuvante no manejo da osteoartrite leve a moderada.
Referências Selecionadas
- Heineman JT et al. J Hand Surg Am. 2022;47(11):1031.e1–1031.e10.
- Heineman JT et al. Sci Rep. 2024;14:17832.
- Mehl-Madrona L et al. J Clin Med. 2023;12(4):1282.
- Burston JJ et al. Arthritis Res Ther. 2013;15(1):R38.
- Philpott HT et al. Pain. 2017;158(12):2442–2451.
- GBD 2023 Study: Global burden of osteoarthritis — Lancet Rheumatology.

