Canabinoides no Manejo da Agitação e Sintomas Comportamentais na Doença de Alzheimer: Evidências e Perspectivas

Introdução

A Doença de Alzheimer (DA) é a causa mais comum de demência, caracterizada não apenas pelo declínio cognitivo progressivo, mas também por sintomas neuropsiquiátricos que impactam de forma marcante a qualidade de vida. Entre esses, a agitação e a agressividade são especialmente prevalentes e desafiadores. Estima-se que mais de 70% dos pacientes com DA desenvolvam algum grau de agitação durante o curso da doença, levando a sofrimento significativo para o paciente e sobrecarga emocional para cuidadores e familiares.

O tratamento farmacológico tradicional — em especial os antipsicóticos — apresenta eficácia limitada e está associado a risco aumentado de mortalidade, eventos cardiovasculares e efeitos extrapiramidais. Nesse contexto, os canabinoides têm emergido como uma alternativa terapêutica promissora, com potencial para modular a agitação e outros sintomas comportamentais de forma mais segura.

Este artigo explora as evidências atuais, os mecanismos propostos e as perspectivas de uso clínico dos canabinoides no manejo da agitação associada à Doença de Alzheimer.


Por que considerar os canabinoides?

Os canabinoides atuam principalmente sobre o sistema endocanabinoide (ECS), composto por receptores (CB1 e CB2), ligantes endógenos (anandamida, 2-AG) e enzimas de síntese/degradação.

  • Receptores CB1: abundantes no sistema nervoso central, modulam neurotransmissores excitatórios (glutamato) e inibitórios (GABA), influenciando ansiedade, sono e comportamento.
  • Receptores CB2: presentes em células imunes e microgliais, regulam neuroinflamação, que pode exacerbar sintomas comportamentais.

Além disso, canabinoides exógenos como THC, CBD e derivados sintéticos (nabilone, dronabinol) apresentam propriedades:

  • Ansiolíticas e sedativas leves
  • Moduladoras do sono
  • Redutoras de agressividade
  • Potenciais reguladoras do ciclo circadiano

Esses mecanismos sustentam a hipótese de que os canabinoides possam atuar como moduladores comportamentais na DA.


Evidência clínica em agitação da DA

Nabilone

O ensaio clínico de maior impacto até o momento foi conduzido por Herrmann et al. (2019), um estudo randomizado, duplo-cego, cruzado, com 39 pacientes com DA moderada a grave e agitação significativa.

  • Resultados:
    • Redução significativa da agitação medida pela Cohen-Mansfield Agitation Inventory (CMAI).
    • Melhora nos sintomas gerais avaliados pelo Neuropsychiatric Inventory (NPI).
    • Benefício adicional na qualidade do sono.
  • Efeitos adversos: sedação foi o mais frequente, mas geralmente manejável com titulação lenta.

Esse estudo demonstrou que o nabilone pode ser eficaz como adjuvante em agitação refratária, ainda que não isento de riscos.


Dronabinol

Outro canabinoide sintético amplamente estudado é o dronabinol, análogo do THC. Ensaios menores e estudos abertos já haviam sugerido benefício em comportamento e apetite.

  • Em 2024, dois grandes RCTs multicêntricos ganharam destaque:
    • Agit-AD Trial (Hopkins/Tufts): mostrou redução de aproximadamente 30% nos escores de agitação em pacientes com DA moderada a grave, com boa tolerabilidade.
    • Estudo europeu multicêntrico: confirmou achados semelhantes, especialmente em pacientes com sintomas graves e refratários a antipsicóticos.

O dronabinol, assim como o nabilone, apresentou boa aceitação clínica e efeitos adversos predominantemente leves (sonolência, boca seca, hipotensão ortostática).


CBD isolado e combinações THC:CBD

Apesar do crescente interesse no canabidiol (CBD) — devido ao seu perfil ansiolítico e antipsicótico — os dados clínicos ainda são escassos.

  • Pequenos estudos piloto sugerem melhora em ansiedade e sono, mas sem RCTs robustos em agitação da DA.
  • Formulações com THC:CBD em equilíbrio (ex.: nabiximols) estão em avaliação, com expectativa de resultados em 2025-2026.

Revisões sistemáticas e meta-análises

Várias revisões sistemáticas recentes (2022–2024) analisaram o conjunto das evidências:

  • A maioria conclui que canabinoides apresentam eficácia superior ao placebo para redução de agitação e agressividade em DA.
  • No entanto, a qualidade metodológica ainda é considerada baixa a moderada, devido a amostras pequenas, heterogeneidade nas doses e curta duração dos ensaios.
  • Há consenso de que são necessários ensaios multicêntricos, com amostras maiores, duração mais longa e avaliação de biomarcadores para confirmar esses achados.

Segurança e limitações

Embora promissores, os canabinoides não são isentos de riscos:

  • Efeitos adversos comuns: sedação, boca seca, tontura, hipotensão ortostática.
  • Efeitos cognitivos: pode ocorrer piora transitória da memória e atenção, especialmente em formulações ricas em THC.
  • Interações medicamentosas: atenção especial a benzodiazepínicos, antidepressivos e antipsicóticos, pelo risco de somatória de sedação.
  • População frágil: pacientes idosos com DA frequentemente apresentam polifarmácia e comorbidades cardiovasculares, exigindo monitorização rigorosa.

Por isso, recomenda-se:

  • Titulação lenta e individualizada
  • Uso restrito a casos refratários aos tratamentos convencionais
  • Monitorização sistemática de efeitos adversos e impacto funcional

Conclusão

O corpo de evidências atual indica que os canabinoides sintéticos, especialmente nabilone e dronabinol, representam opções promissoras no manejo da agitação e dos sintomas comportamentais na Doença de Alzheimer, sobretudo em casos refratários às terapias convencionais.

Embora os resultados de ensaios clínicos apontem benefícios consistentes, ainda faltam estudos de longa duração e maior robustez metodológica para consolidar seu uso rotineiro.

Assim, no momento, os canabinoides devem ser considerados como terapia adjuvante, prescritos em protocolos clínicos, com titulação cautelosa e monitorização rigorosa, sempre ponderando riscos e benefícios em cada paciente.